O Brasil tem 5.570 municípios e de acordo com o Departamento Nacional
de Trânsito – DENATRAN, apenas 1.513 cidades se integraram ao Sistema
Nacional de Trânsito, ou seja, possuem um órgão municipal de trânsito
com a atribuição de gerir o trânsito naquele lugar, assumindo as
responsabilidades com a educação, engenharia e fiscalização de trânsito.
Diante disso, o questionamento a ser feito é o seguinte: nas cidades
sem o trânsito municipalizado de quem é essa responsabilidade?
No passado cabia ao Estado e passou a ser dividida com os municípios a
partir da vigência da legislação atual (CTB). Especialistas defendem
que se trata de erro histórico a limitação das atividades do órgão
estadual e onde o município não implantar seu órgão de trânsito, o
Estado deve exercer tais atividades. É sobre isso que iremos discorrer a
seguir.
O art. 24 do CTB que trata das atribuições dos órgãos municipais de
trânsito determina em seu parágrafo segundo que para exercer as
competências estabelecidas neste artigo, os Municípios deverão
integrar-se ao Sistema Nacional de Trânsito, conforme previsto no art.
333 do Código de Trânsito.
Existe uma tabela de infrações de trânsito cuja competência é
distribuída entre os órgãos executivos do Município e do Estado quando
atuam nas vias urbanas. Em regra, os órgãos estaduais fiscalizam
irregularidades relativas ao condutor e ao veículo, enquanto os
municipais fiscalizam as infrações por desobediência às normas de
circulação, estacionamento, parada, excesso de peso, dimensões e lotação
dos veículos. Com o objetivo de promover maior eficiência às ações de
trânsito, sobretudo a fiscalização, é possível a celebração de convênio
entre os órgãos para delegar essas competências.
Não havendo órgão municipal em determinada cidade, torna-se inviável
um convênio com o Estado. Logo, as infrações de competência municipal
não podem ser objeto de autuação por agentes de trânsito do órgão
executivo do estado, pois fere um dos requisitos do ato administrativo
que é a competência.
Existem casos em que o órgão estadual celebra convênio diretamente
com a prefeitura que deixa de assumir a responsabilidade que lhe é
atribuída por lei na criação de um órgão municipal de trânsito. Diante
dessa situação fica fácil perceber que a alternativa é no mínimo
irregular, pois o convênio deve ser firmado entre órgãos de trânsito e a
prefeitura não é órgão de trânsito.
Outro fato questionável é quando o Estado avoca para si a
responsabilidade de fiscalizar, como se fosse detentor originário da
competência, que por sinal não pode ser assumida dessa forma, pois
competência é algo atribuído pela própria lei.
Exemplo de interpretação distorcida é a Nota Técnica nº 006/2011 do
CETRAN/PE que entende que a fiscalização de trânsito pode e deve ser
exercida pelo Estado, através do DETRAN, na ausência do poder originário
(Município), com o objetivo de assegurar o direito ao trânsito seguro.
Esse entendimento é ilógico, tendo em vista que o Estado assume uma
atribuição que não é sua. No Capítulo II do Código de Trânsito
Brasileiro temos a seguinte determinação sobre a competência estadual:
“Art. 22. Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito
dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição:
[…]
V executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as
medidas administrativas cabíveis pelas infrações previstas neste Código,
excetuadas aquelas relacionadas nos incisos VI e VIII do art. 24, no
exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito;”
Nos incisos do art. 24 ao qual o texto legal faz referência, temos a seguinte redação:
“Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:
[…]
VI executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as
medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação,
estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do
Poder de Polícia de Trânsito;
[…]
VIII fiscalizar, autuar e aplicar as penalidades e medidas
administrativas cabíveis relativas a infrações por excesso de peso,
dimensões e lotação dos veículos, bem como notificar e arrecadar as
multas que aplicar;”
Percebam que o texto do CTB é muito claro quando estabelece o que os
órgãos estaduais podem fiscalizar e aquilo que não podem, e são
justamente as infrações de competência do município, salvo se houver
convênio, o que não é possível quando a cidade não tem seu órgão local,
porque obviamente não se pode firmar acordo com uma figura inexistente
ou delegar uma atribuição que não possui.
No caso da sua cidade não ter um órgão de trânsito e considerando a
hipótese de você ter sido flagrado estacionado em local proibido, o
agente de fiscalização estadual (DETRAN ou PM credenciada pelo Estado)
nada poderá fazer, pois não é competência dele.
Deixo bem claro que não estou fazendo apologia ao cometimento de
irregularidades no trânsito. A intenção do texto é mostrar a omissão do
gestor municipal que por vezes deixa de se integrar ao Sistema Nacional
de Trânsito por receio da repercussão negativa do ponto de vista
político que sua medida pode causar.
O principal argumento dos que defendem a possibilidade do Estado
assumir a responsabilidade do Município omisso é a preservação da
segurança no trânsito para evitar a desordem no local. Do ponto de vista
prático é uma alternativa que funciona, mas legalmente é um verdadeiro
atropelo da legislação de trânsito.
Ficamos na torcida para que todo o esforço com o intuito de contornar
a lei e permitir que o Estado exerça a fiscalização nas cidades sem que
tenha competência para tanto seja convertido em ações para que os
Municípios criem seus órgãos, garantindo com isso a segurança no
trânsito que é um direito de todos.
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