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sexta-feira, 10 de maio de 2019

Cidades que não municipalizaram o trânsito, não têm competência para fiscalizar ou autuar


O Brasil tem 5.570 municípios e de acordo com o Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN, apenas 1.513 cidades se integraram ao Sistema Nacional de Trânsito, ou seja, possuem um órgão municipal de trânsito com a atribuição de gerir o trânsito naquele lugar, assumindo as responsabilidades com a educação, engenharia e fiscalização de trânsito. Diante disso, o questionamento a ser feito é o seguinte: nas cidades sem o trânsito municipalizado de quem é essa responsabilidade?

No passado cabia ao Estado e passou a ser dividida com os municípios a partir da vigência da legislação atual (CTB). Especialistas defendem que se trata de erro histórico a limitação das atividades do órgão estadual e onde o município não implantar seu órgão de trânsito, o Estado deve exercer tais atividades. É sobre isso que iremos discorrer a seguir.

O art. 24 do CTB que trata das atribuições dos órgãos municipais de trânsito determina em seu parágrafo segundo que para exercer as competências estabelecidas neste artigo, os Municípios deverão integrar-se ao Sistema Nacional de Trânsito, conforme previsto no art. 333 do Código de Trânsito.

Existe uma tabela de infrações de trânsito cuja competência é distribuída entre os órgãos executivos do Município e do Estado quando atuam nas vias urbanas. Em regra, os órgãos estaduais fiscalizam irregularidades relativas ao condutor e ao veículo, enquanto os municipais fiscalizam as infrações por desobediência às normas de circulação, estacionamento, parada, excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos. Com o objetivo de promover maior eficiência às ações de trânsito, sobretudo a fiscalização, é possível a celebração de convênio entre os órgãos para delegar essas competências.

Não havendo órgão municipal em determinada cidade, torna-se inviável um convênio com o Estado. Logo, as infrações de competência municipal não podem ser objeto de autuação por agentes de trânsito do órgão executivo do estado, pois fere um dos requisitos do ato administrativo que é a competência.

Existem casos em que o órgão estadual celebra convênio diretamente com a prefeitura que deixa de assumir a responsabilidade que lhe é atribuída por lei na criação de um órgão municipal de trânsito. Diante dessa situação fica fácil perceber que a alternativa é no mínimo irregular, pois o convênio deve ser firmado entre órgãos de trânsito e a prefeitura não é órgão de trânsito.

Outro fato questionável é quando o Estado avoca para si a responsabilidade de fiscalizar, como se fosse detentor originário da competência, que por sinal não pode ser assumida dessa forma, pois competência é algo atribuído pela própria lei.

Exemplo de interpretação distorcida é a Nota Técnica nº 006/2011 do CETRAN/PE que entende que a fiscalização de trânsito pode e deve ser exercida pelo Estado, através do DETRAN, na ausência do poder originário (Município), com o objetivo de assegurar o direito ao trânsito seguro. Esse entendimento é ilógico, tendo em vista que o Estado assume uma atribuição que não é sua. No Capítulo II do Código de Trânsito Brasileiro temos a seguinte determinação sobre a competência estadual:

“Art. 22. Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição:
 
[…]
 
V executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis pelas infrações previstas neste Código, excetuadas aquelas relacionadas nos incisos VI e VIII do art. 24, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito;”

Nos incisos do art. 24 ao qual o texto legal faz referência, temos a seguinte redação:

“Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:
 
[…]
 
VI executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito;
 
[…]
 
VIII fiscalizar, autuar e aplicar as penalidades e medidas administrativas cabíveis relativas a infrações por excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos, bem como notificar e arrecadar as multas que aplicar;”

Percebam que o texto do CTB é muito claro quando estabelece o que os órgãos estaduais podem fiscalizar e aquilo que não podem, e são justamente as infrações de competência do município, salvo se houver convênio, o que não é possível quando a cidade não tem seu órgão local, porque obviamente não se pode firmar acordo com uma figura inexistente ou delegar uma atribuição que não possui.

No caso da sua cidade não ter um órgão de trânsito e considerando a hipótese de você ter sido flagrado estacionado em local proibido, o agente de fiscalização estadual (DETRAN ou PM credenciada pelo Estado) nada poderá fazer, pois não é competência dele.

Deixo bem claro que não estou fazendo apologia ao cometimento de irregularidades no trânsito. A intenção do texto é mostrar a omissão do gestor municipal que por vezes deixa de se integrar ao Sistema Nacional de Trânsito por receio da repercussão negativa do ponto de vista político que sua medida pode causar.

O principal argumento dos que defendem a possibilidade do Estado assumir a responsabilidade do Município omisso é a preservação da segurança no trânsito para evitar a desordem no local. Do ponto de vista prático é uma alternativa que funciona, mas legalmente é um verdadeiro atropelo da legislação de trânsito.

Ficamos na torcida para que todo o esforço com o intuito de contornar a lei e permitir que o Estado exerça a fiscalização nas cidades sem que tenha competência para tanto seja convertido em ações para que os Municípios criem seus órgãos, garantindo com isso a segurança no trânsito que é um direito de todos.